sábado, 16 de janeiro de 2010

Igreja de Ouro Preto é a primeira a ser restaurada com recursos do PAC


A Matriz de Nossa Senhora de Nazaré, no distrito de Cachoeira do Campo, um dos mais antigos de Ouro Preto, é palco e testemunha de fatos marcantes da história do Brasil. No templo católico datado de 1700, o português Manuel Nunes Viana (1670-1738) foi sagrado, em 1708, primeiro governador de Minas, durante a Guerra dos Emboabas. Já em 1720, na Sedição de Vila Rica, Felipe dos Santos (1680-1720) foi preso, no adro, antes de sofrer horrores, até a morte, nas mãos das autoridades coloniais. Passados três séculos, a igreja volta a ganhar destaque e reconhecimento para mostrar o esplendor da arte barroca e sua importância na memória brasileira. A partir de março, ela começa a ser restaurada, tornando-se a primeira, no país, a receber recursos federais do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) das Cidades Históricas. A previsão é de que, em 18 meses, a matriz tenha, recuperados, dos detalhes da estrutura aos ricos elementos artísticos.
Admirar os altares suntuosos, o forro pintado, as portas de madeira e as paredes grossas é viajar de volta nos séculos e conhecer mais sobre Ouro Preto, na Região Central de Minas, a 95 quilômetros de Belo Horizonte. Mas, como quase sempre ocorre, insetos, infiltrações e alguns desvarios humanos e do tempo fizeram um serviço completo, deixando à mostra perda de pintura, partes carcomidas, teto despencando, deslocamento de talhas e outros absurdos. “A obra chega em boa hora, principalmente para proteger dos abalos a estrutura física do prédio. Os douramentos, por sua vez, estão encardidos, nem dá para se apreciar direito a beleza dos altares. A igreja também não tem extintores de incêndio”, diz o padre Oldair de Paulo Mateus, há um ano à frente da paróquia. O grande trunfo, revela, está na segurança patrimonial, considerada uma das mais eficazes de Minas. “Parece abençoada, não sofreu furtos.”
Tombada há 60 anos pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Matriz de Nossa Senhora de Nazareth, na Praça Felipe dos Santos, vai receber verba de R$ 1,8 milhão, do Ministério das Cidades, e contrapartida de R$ 200 mil da prefeitura local. Segundo o prefeito Angelo Oswaldo (PMDB), a igreja já dispõe de projeto de reforma aprovado pelo Iphan, o que facilitou a liberação dos recursos, em dezembro. “O trabalho de recuperação será fundamental, pois se trata de uma das primeiras e mais importantes igrejas do estado. O altar-mor e os seis laterais, entalhados em madeira dourada, são no estilo nacional português, da primeira fase do barroco mineiro. A obra é motivo de comemoração”, afirma o chefe do Executivo, que fez os entendimentos para liberação dos recursos com o ministro das Cidades, Márcio Fortes.
O secretário municipal de Patrimônio e Desenvolvimento Urbano de Ouro Preto, Gabriel Gobbi, lembra que serão contempladas, além da estrutura e elementos artísticos, a troca de madeiras, implantação de sistema de descupinização e outras ações fundamentais para a estabilidade e conservação do monumento. De acordo com informações do Iphan, em Brasília (DF), trata-se da primeira igreja no país a receber os recursos do PAC Cidades Históricas. Articulado pela Casa Civil, em parceria com o Iphan, ministérios da Cultura, do Turismo, Educação e Cidades e estatais, o programa está investindo R$ 140 milhões em 32 cidades de 17 estados – em Minas, serão aplicados, no primeiro ano, R$ 17 milhões.

Gustavo Werneck - Estado de Minas

Insetos ameaçam patrimônio histórico


O que sempre foi motivo de preocupação das comunidades e, muitas vezes, até visível a olho nu agora tem comprovação científica. Pesquisa da Universidade Federal de Viçosa (UFV), na Zona da Mata, traz dados alarmantes sobre o patrimônio cultural brasileiro: 100% das edificações de relevância histórica, principalmente igrejas e casarões, estão ameaçadas pelos cupins, carunchos, traças, brocas e outros insetos xilófagos que devoram as madeiras centenárias.
Há mais de 20 anos estudando o assunto, o professor e engenheiro florestal Norivaldo dos Anjos, do Departamento de Biologia Animal da UFV e coordenador do Laboratório Casa dos Cupins, adverte que, se não forem tomadas medidas urgentes e eficazes, o país perderá, no máximo em 50 anos, os acervos dos séculos 17, 18 e 19, que guardam a memória, atraem turismo e podem se transformar em pó. “Muitas vezes, a situação é séria e grave”, afirma.
Até fevereiro, Norivaldo vai entregar um diagnóstico sobre a situação de monumentos de cidades mineiras à Procuradoria-geral da República, em Belo Horizonte, e ao Ministério Público Estadual (MPE), mais especificamente ao promotor de Justiça de Ouro Preto, Ronaldo Crawford. Por ter um dos maiores e mais importantes conjuntos históricos do país, Minas apresenta grandes problemas, adianta o pesquisador. No relatório, feito por solicitação de Crawford, estarão incluídas informações sobre Ouro Preto, Mariana e Congonhas, na Região Central de Minas; Diamantina e Serro, no Vale do Jequitinhonha; e São João del-Rei e Tiradentes, no Campo das Vertentes.
O quadro é sombrio também em cidades do Maranhão, Pernambuco, Bahia, Mato Grosso, Paraná e Rio Grande do Sul, onde a equipe da UFV, coordenada pelo professor Norivaldo, fez pesquisas, diagnósticos e deu assistência para desinfestação e imunização das madeiras. “O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) tem cerca de 30 mil imóveis tombados no país e a maioria deles está infestada de cupins e outros insetos xilófagos. Constatamos isso no Projeto Pelourinho, em Salvador (BA), de 1997 a 1999, em 800 edificações, além da Catedral e nas igrejas do Bonfim e da Vitória, na Igreja de Nossa Senhora da Conceição em Cuiabá (MT) e outros.” O Laboratório Casa dos Cupins é considerado referência pela Fundação Estadual de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig).
O ataque às madeiras do patrimônio cultural brasileiro vem de longa data, diz o professor, destacando que, antes, não havia ações dirigidas para a desinfestação. “A restauração de igrejas, capelas, casarões e outros prédios não contemplava essa parte, portanto, os insetos continuavam a fazer os estragos. Em muitos dos monumentos, as obras de arte expostas não são as originais, já que as primeiras foram destruídas pelos cupins e tiveram que ser substituídas. É fundamental que, nas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) das Cidades Históricas, essa questão seja prioridade”, diz Norivaldo.
RISCO PERMANENTE
A ação silenciosa dos cupins, carunchos, traças e brocas se torna um risco permanente para os acervos colonial e dos tempos imperiais. Norivaldo dos Anjos explica que, todos os anos, em especial no período mais quente, há uma revoada de insetos, que entram nas edificações, se instalam, se reproduzem e agem nos pontos mais vulneráveis – as madeiras. Favorecem a proliferação dos bichos fatores como a umidade e a falta de fiscalização constante. “É preciso estar sempre atento, fazer vistorias, usar madeiras resistentes, como o cedro-rosa, e não introduzir peças ou obras de arte antes da desinfestação”, ensina.
Para salvar o acervo, garante o professor, a medida é radical, sendo necessária uma ação completa de desinfestação, que significa matar os insetos xilófagos, imunizar todas as peças com produtos químicos e manter as medidas complementares a exemplo de vistoria permanente e manutenção dos serviços. Em Ouro Preto, a 95 quilômetros da capital, cidade reconhecida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), a equipe já fez trabalhos na imunização dos suportes de madeira das igrejas de Santa Efigênia, do Rosário, São Francisco e Nossa Senhora do Carmo e tem projetos para a Matriz de Antônio Dias, Igreja de São Francisco de Paula e Museu da Inconfidência, no Centro Histórico.
O promotor de Justiça de Ouro Preto, Ronaldo Crawford, instaurou inquérito para apurar a situação de degradação do patrimônio da comarca, e aguarda o diagnóstico da Universidade Federal de Viçosa para as tomar providências cabíveis. “Entregue também ao Ministério Público Federal, o relatório será um instrumento importante e oportuno para a proteção dos bens culturais no Brasil”, acredita Crawford.
Texto: Gustavo Werneck - Estado de Minas
Foto: Beto Novaes – EM/D.A Press